— Senhor Paiva, eu não tenho como
pagá-lo até o final do mês, infelizmente.
— Escute uma coisa rapaz: eu não quero
mais saber de suas dificuldades, dos problemas de saúde de seus filhos ou de
sua falta de dinheiro para saudar o seu aluguel em dia porque não tem um
trabalho fixo. Enfim, o que eu quero é que você sabia que, em quinze dias, ou
você me paga o que deve ou se mude daqui imediatamente. Entendeu? Então, José,
deixe de choramingar e cuide de conseguir o dinheiro que precisa para honrar os
seus compromissos comigo — com o dedo em riste.
Sem se despedir, o frio e antipático senhor
Paiva retira-se ao seu carro estacionado; e, já pronto para sair, reforça, de
novo, a cobrança feita e bruscamente sai pela estrada, lançando, aliás, ao
miserável José imprecações inúmeras.
— É Maria, desde que aqui chegamos, não
vivemos uma boa vida, pois só recebemos pancadas ingratas do destino que tanto
nos maltrata de todas as formas e jeitos — cabisbaixo José fala.
— E agora, José, o que fazer?
— Maria, Eu não sei. Eu não sei. Não
sei. Espero, ao menos, encontrar um novo emprego na cidade, pois só assim
poderei negociar esta dívida, além de ter condições de oferecer algo aos nossos
filhos famintos. Agora acho que só isso é o que posso fazer — com lágrimas
contidas responde amargamente o pobre e desgraçado José.
— Mas você só tem duas semanas para
saudá-la e a fome e o nosso desespero só aumentam de um dia para outro. Você
acha que não seria melhor voltarmos à casa de minha irmã, Estela?
— E como ela nos sustentaria? Ela mal
tem o mínimo para si e imagina como ficaria com quatro bocas extras, Maria? Não
temos alternativas e o que precisamos é simplesmente agir e lutar. Acredite que
a nossa vida vai mudar. Maria, eu sei que vamos vencer isso tudo e que hoje,
graças à nossa força de vontade, será um novo dia.
— Tudo bem, José. Faça isso, pois eu
acredito em você.
Nos três últimos anos, a vida e o
destino de José e Maria era uma sina ingrata e repleta de dores e padecimentos
intermináveis. Afinal perderam tudo que possuíam na tentativa malograda de
salvarem o pequeno David, que há seis meses morreu de uma rara e sofrida
moléstia. No desespero de salvar a vida do pequeno rebento, José fez dívidas
desproporcionais aos seus ganhos; e quando ficou sem trabalho, logo após o
falecimento de seu filho, perdeu, além de uma amada criança, quase tudo que
possuía aos seus frios e amargos credores. Pelo menos, ainda lhe restava
capacidade, tirocínio e esperança de tudo reconstruir ao lado de sua esposa
Maria e de seus dois filhos restantes. E assim, ele fez, mesmo que de uma forma
curiosa e imprevista.
Na cidade em que habitava há pouco
tempo, José só encontrava negativas frias e desalmadas aos seus pedidos de uma
nova oportunidade de trabalho. Aliás, poucos lhe ouviam, pois só pensavam na
crise e nos seus próprios proventos. Alternativas diferentes ele, contudo, não
tinha e precisava passar, de porta em porta, prateando, quase ao desespero, uma
imprescindível oportunidade de emprego, mesmo que no íntimo já pressentisse
que, em vão, seriam as suas investidas. O dia já se encontrava no fim e a fome
e as constantes promessas e negativas inúmeras apenas arrefeciam os ânimos de
José, que, por sinal, não teve outra alternativa: a não ser retornar para a sua
miserável casa com as mãos abanando.
Em um ponto de uma praça, próxima ao
caminho que lhe dirigia à sua casa humilde, José senta-se em um banco arruinado
e silenciosamente conjectura o que falar para a sua sofrida Maria, sobretudo
diante de mais um dia perdido com promessas vãs e pedidos inúteis aos corações
desalmados de muitos.
No canto oposto da praça, ele nota a
presença de uma magra cadela, a cuidar de seus filhotes. Aliás, quando as
pessoas passavam próximas às suas crias, por instinto, o rabo insignificante da
cadela meneava e quase sempre recebia, quando possível, algo em troca,
inclusive de muitas pessoas que nem se quer ouviram os pedidos anteriores de
José. Diante deste quadro, ele até imagina que uma cadela mais afagos e ajuda
recebia do que a sua família em uma situação tão lastimável. Levanta-se, no
entanto; e, ao acariciar a mansa cadela no mesmo momento em que compartilha uma
mísera migalha de pão seco, olha para estrelas que surgem no horizonte e, com
convicção, diz para si mesmo: sei amanhã será um novo dia, um novo dia...
Cantando baixinho uma canção de sua
apanhada juventude, José, à passos lentos, caminhava pela escura estrada que
conduzia à sua casa. Se não tenho alternativas, o melhor a ser feito é voltar a
morar com a irmã da Maria, pensava o coitado. Ele realmente não tinha mais
escolhas: ou era a mendicância ou a ajuda parca de Estela. Aliás, não poderia
pensar muito sobre isso, pois a sua pequena e amada família necessitava de
amparo, mesmo que ínfimo e inseguro em diversos pontos. Sendo assim, ele, por
fim, decide que, por enquanto, Maria ficará com a sua irmã ao lado de seus dois
filhos restantes e ele, só, partirá à procura de novas alternativas na capital.
De repente, José escuta um gemido próximo e, ao se aproximar de um recanto
sombrio e ermo, visualiza um homem velho caído que, de imediato, lhe solicita
ajuda e amparo.
— O senhor está bem? O que posso fazer
para ajudá-lo agora?
Ao terminar de ouvir estas palavras, o
velho desmaia de vez e solta algo no chão que José pega e confere,
imediatamente. A sua surpresa é tremenda, porque era uma carteira que continha
uma fabulosa soma de dinheiro que ele só ganharia em um ano de trabalho árduo
nos seus melhores dias. A tentação, por certo, logo escureceu a sua mente e
intenso foi o desejo de ir embora com a carteira salvadora, aliás. José,
todavia, por ser um homem de princípios, coloca o objeto em um bolso da calça
do velho e decide levá-lo, nas costas, até a cidade, para ser socorrido.
Chegando lá, recebe amparo de algumas pessoas que, contudo, só lhe ajudam por
reconhecerem que o velho era tão somente um dos homens mais ricos daquela
região: o senhor Castilho.
— O que você fez com ele, miserável?
Muitos perguntam ao mesmo tempo em que lhe acusam pela triste sina do senhor
Castilho.
— Prendam-no!!! — gritam outros tantos.
— Eu nada fiz — sozinho ele fala.
— Deixe de mentir miserável! — gritam
outros tantos, mais uma vez.
— Sabemos que foi você que fez isso ao
senhor Castilho.
Já sendo conduzido à cadeia pública,
José imagina que sina amarga é essa que lhe persegue. Afinal só fez o que
qualquer pessoa de bom senso faria: parou e ajudou alguém que necessitava de
resguardo. Ou será que não?
Quase na porta da cadeia e diante de
tantas tapas e expressões de baixo calão, dirigidas ao miserável José,
repentinamente todos escutam os gritos quase inaudíveis, porém salvadores, do
senhor Castilho:
— Soltem o pobre homem, seus insanos!
Ele nada me fez ao não ser prestar ajuda. Ou vocês acham que eu, o senhor
Castilho, estou mentindo, também?
Diante disso, logo José foi solto e o
senhor Castilho, conduzido por duas pessoas, pára e, comovido, lhe diz às
lagrimas:
— Obrigado!
No mesmo instante em que ganha esse
singelo agradecimento, José recebe do senhor Castilho a sua carteira, a qual
será a grata solução aos problemas que ele enfrenta, evidentemente. Sem querer
recebê-la, ele tenta, todavia, devolvê-la no mesmo momento. O senhor Castilho,
no entanto, insiste e José não tem outra alternativa: ficar com a carteira como
recompensa, mesmo que isto não lhe agrade, apesar de saber que necessita do
dinheiro para resolver os seus inúmeros problemas.
Em casa, Maria já preocupada com o
retorno do seu marido, pensa por que José demora tanto? Será que aconteceu algo
com ele? Aí espero que não, meu Deus! O que seria de mim e das crianças sem ele?
— Cheguei e tenho boas notícias, Maria
— grita José, no portão de entrada.
— Você conseguiu um trabalho novo,
José? — eufórica, pergunta Maria.
— Não, Maria. É algo tão bom quanto
isso. Vou partir, em quinze dias, para a capital e você vai ficar, com as
crianças, na casa da Estela.
— Oh! José, eu pensei que eram boas as
suas notícias. E agora, José? O que será de nós distantes um dos outros? Você
quer que eu fique feliz como? — às lágrimas e visivelmente desesperada,
lamenta-se a infeliz mulher de uma maneira incontida perante o seu atônito
esposo que, por sinal, só nesse momento percebeu o seu desastroso esquecimento.
Ah! Mil desculpas, Maria! Vou lhe
contar o que aconteceu comigo hoje na cidade.
O que lhe aconteceu, José?
José descreve tudo para Maria — aliás,
sem esquecer um só detalhe de sua incrível história. Ao término do relato,
Maria compreendeu tudo por fim. E só assim entendeu o porquê de tanta alegria
de José diante de uma notícia tão triste quanto ele ter que ir para capital
sozinho, ao mesmo tempo em que ela passaria a viver na casa de sua irmã, de
favor.
Passaram-se as duas semanas; e Maria já
se encontrava de mudança, com as crianças, para a casa de Estela. Enquanto
isso, José iria para cidade saudar o aluguel da casa com o senhorio, que,
estranhamente, havia sumido; e, logo depois disso, partiria para capital à
procura de um amigo, que, talvez, poderia lhe ajudar com um novo emprego.
Chegando ao escritório do senhorio, ele
ver uma movimentação intensa; e desmedida é a sua surpresa quando avista aquele
homem de coração frio sendo arrastado pela polícia e a bradar em sua direção
que a culpa é sua pelo velho miserável ter descoberto tudo.
Sem entender ao certo o que tinha
acontecido, ele tenha encontrar alguém que possa recebê-lo para saudar a dívida
do aluguel, e quando entra no escritório percebe que o senhor Castilho, mesmo
ainda abatido, contudo convalescente, lá se encontrava, a conversar com outras
pessoas sobre as providências que deveriam ser tomadas. Ao perceber a presença
do seu salvador, o senhor Castilho fala:
— E agora, José, o que fazer?
— Bom dia, senhor Castilho! O senhor,
por acaso, sabe a quem posso pagar o meu aluguel atrasado que fiquei de pagar
hoje ao senhor Paiva?
— meu caro, pelo que sei, no momento,
você deverá pegar esse dinheiro e usá-lo naquilo que mais carece. Aliás, saiba
que agora aquela casa é sua e que você, a partir de hoje, tem um novo trabalho:
administrar as minhas propriedades nessa cidade. Então, você aceita?
— Como assim, senhor Castilho?
Com um gesto de carinho e respeito, o
senhor Castilho chama José para uma sala ao lado e lhe conta, em detalhes, tudo
que tinha acontecido nesses últimos dias. Nesse ínterim, José descobre que o
seu antigo senhorio era apenas um representante inescrupuloso do seu
interlocutor; e que, além disso, ele tinha tramado o assassinato do senhor
Castilho para apoderar-se de suas propriedades, indevidamente. Ao término desta
conversa esclarecedora, o senhor Castilho, mais uma vez, reforça a sua doação e
o convite feito, os quais— ainda meio relutante — José aceita-os desta feita,
pois sabe que só assim poderá ter a sua esposa e filhos próximos e tranquilos.
Ao sair do prédio ao lado do senhor
Castilho, José tem uma grata e oportuna surpresa.
— Maria? Que coisa boa encontrá-la
aqui. Eu pensei que você já tinha ido à casa de sua irmã?
— Eu tinha acabado de lá chegar com as
crianças quando recebi, de repente, a visita do criado do senhor Castilho, que
lá foi a sua procura, o qual, por sua vez, contou-me tudo o que iria acontecer
aqui, José.
Silenciosamente os dois se aproximam e
abraçam-se de um jeito carinhoso e terno, quando, mais uma vez, Maria pergunta:
— E agora, José, o que fazer?
— O que fazer agora, Maria?
— Acreditar e viver, meu amor.
Acreditar e viver.
E a natureza, ao seu modo, cortejou com
gotas de chuva a alegria e o amor do antes sofrido casal, que graças ao gesto
nobre e louvável de José tem, a partir desse dia, a felicidade saudando as suas
vidas, mais uma vez.